Diz-se que o melhor de uma cultura encontra-se no início de sua decadência.
À primeira vista isto parece um contra-senso, mas, examinando-se a coisa mais friamente, pode-se entender melhor esta premissa.
O primeiro momento desta civilização é caracterizado pelo esforço para crescer, desenvolver, conseguir escalar até o mais alto píncaro.
Depois vem o momento do deslumbramento, pela chegada ao ápice.
Só então se começam saborear os despojos da conquista.
Com as pessoas, e as cidades que estas pessoas criam, as coisas ocorrem mais ou menos assim.
No início tem-se que se apossar da terra.
Depois doma-la.
Após, vem a batalha para que ela produza.
Segue-se a construção de meios de produção secundária e terciária.
O atendimento das necessidades básicas vai-se sofisticando. Os primeiros sinais de luxo começam a surgir.
Lentamente estes começam a sugar as forças produtivas (econômicas, de organização social). Os bens do prazer, que são voláteis, começam a aumentar a sua fatia no bolo energético.
O sistema sócio-econômico passa lentamente a se desorganizar e a involuir.
Mas nesta fase é que se tem tempo, gosto, energia, para criar e gozar dos prazeres do espírito e da carne.
Este processo havia-se iniciado há alguns poucos anos, quando nasci.
A fronteira com o Uruguay (me recuso a escrever Uruguai com i) que tinha toda a sua economia baseada na lã e na carne, sentia as primeiras ferroadas da entrada de novos concorrentes na produção destas matérias primas, além de mudanças de hábitos. Mas havia ainda muita gordura para gastar. Se passávamos da fase do “pai rico para a de filho nobre”, ainda não chegáramos a do “neto pobre”, que é a hodierna.
Tinha-se tempo, dinheiro e energia para gastar nas boas coisas da vida, embora fazendeiros, pecuaristas, estancieiros, latifundiários, produtores rurais (o sinônimo cada um escolhe de acordo com o seu ponto de vista) sempre tenham sido uma raça de chorões.
Além disto, o fato de Sant’Anna do Livramento e Rivera serem uma só cidade, geograficamente falando, em verdade são duas muito ligadas, mas diferentes naquilo que mais importante é. A cultura das pessoas que as habitam. No caso, tinha-se criado, ainda por cima, uma terceira cultura, as dos doble chapas (em alusão de que os carros tinham duas placas, uma brasileira e outra uruguaya para poderem trafegar nas duas cidades).
Somando-se a tudo isto, vinha o fato de que o nível cultural do Uruguay era, à época, muito superior ao nosso. E, como era um país pequeno, tudo lá chegava mais rápido. Um filme americano às vezes demorava quase um ano para ser apresentado no Cinema Internacional. Já El Cine Avenida, ou o El Gran Rex, o apresentavam três meses depois da estréia.
Ora, tudo isto contribuía para que vivêssemos uma cultura mais cosmopolita que o resto do interior do RGS, exceção talvez de Pelotas, e da grande maioria de capitais brasileiras (Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, talvez Salvador).
Tudo isto contribuiu para que, na vida sexual, se visse, ou soubesse, de muitas coisas que nos dias de hoje ainda sejam vistas como “novidades”. Evidentemente devem saber que sexo não procriativo é cultura.
Encerrado este intróito, vamos ao que interessa.
(Num próximo capítulo)
Um comentário:
Parabéns lúcida análise sobre a decadência de Livramento e região.O último censo traz um decréscimo populacional de 9,2%, em Alegrete chegou a 11%. Melâncolicamente assistimos a um verdadeiro êxodo. Mas as coisas são assim mesmo, portanto viva a decadência!
Thomas Mann nos Buddenbrook escreve algo assim: quando chegares no apogeu do luxo começa o processo da tua decadência.......bem na linha do que escrevestes maravilhosamente sobre nossa terra. Quanto ao cosmopolitismo tb concordo com vc e tinhamos pela influência de Buenos Aires, nossa capital cultural,(Montevidéu tb era satélite como hoje). Das capitais brasileiras tiro Belo Horizonte ainda provinciana e não coloco Salvador nem Recife. Mas sugiro reflexão sobre Santos com sua bolsa do café e porto ainda grandioso, criaram uma sociedade cosmopolita embora pequena para os padrões brasileiros .........
Este assunto é interminável se desejarmos. Por enquanto é só.
Um abraço do Eclético (sou da geração da Maria Cristina)
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