domingo, 30 de março de 2008

O PARANÓICO , LEMBRANÇAS SEXUAIS DA MINHA MACONDO

Tinha uma canção infantil que dizia.
Um elefante incomoda muita gente...
Dois elefantes incomodam muito mais...
Três elefantes incomodam muita gente...
Quatro elefantes incomodam muito mais...
e por aí ia.
Acho que um paranóico incomoda muita gente, dois paranóicos incomodam muito mais ...
Isto porque os paranóicos sempre têm razão! Não toda, é lógico, mas eles partem de um núcleo de verdade e, a partir deste, constroem um castelo imaginário.
Numa das Macondos da minha vida, existia um paranóico. O cara até que era legal. Mas sempre desconfiava que havia uma mutreta, uma sacanagem, um problema em tudo que se propunha para ele. Mas era num grau que não incomodava muito, bem suportável, diríamos até pitoresco.
O problema é que a paranóia vai piorando com os anos.

No caso dele, o coup de main ocorreu quando ele casou.
E. não tinha nada de especial. Principalmente na beleza. Em termos de caráter deveria ter seu caso encaminhado para o Sumo Pontífice para ser canonizada ainda em vida, pois, agüentar o nosso paranóico não deveria ser fácil.
Não desconfiava dela. Mas sempre achava que alguém estava dando em cima dela. Sempre tinha alguém querendo come-la.
Ocorre que, neste período, chega em Macondo um novo gerente de banco. Trinta e poucos anos, bem apessoado, simpático, dotado de um físico bem cuidado. Era casado, tinha dois filhos e, por força de ofício, tratava todo mundo bem. As pessoas precisavam dele, mas ele precisava das pessoas, até por conta da concorrência.
Buenas, não demorou muito e o Paranóico começou a desconfiar que o gerente estava dando em cima de sua mulher. Qualquer gesto, qualquer olhar, já era interpretado como uma tentativa de sedução.
Passou a gravitar em torno de dois pólos, o gerente, ou a sua mulher. A vida passou-lhe a ser insuportável. E, como bom paranóico que era, via as evidências crescerem dia a dia.
A sorte é que não era um sujeito violento. Podia ficar no gritaredo mas disto não passava.
Só que um dia não agüentando mais resolveu tomar providências, só que pela via legal.
Foi na Delegacia de Polícia e relatou o caso, imagino eu, ao Delegado. Eram tantas as provas, as descrições, que o Delegado lhe sugeriu que procurasse um advogado para a tomada de medidas cabíveis.
Ocorre que há pouco tempo havia se instalado na região um novo advogado. Formado há pouco, estava louco de vontade de fazer carreira, nome, mostrar que era um sujeito atualizado e, é lógico, ganhar uns pilas.
Nosso hôme foi lá, contou o causo, e o advogado propôs várias ações. Numa delas iriam pegar o pecador.
Claro que numa cidade do interior a notícia se espalhou como fogo na gasolina. Em dois toques todo mundo sabia de um detalhe a mais. Cada vez mais escabroso, bizarro, inédito. Todas as perversões possíveis e imagináveis eram imaginadas e contadas como realidade.
O conversê chegou aos ouvidos da esposa do gerente. Mulher de pêlo nas ventas, não se fez de rogada, deu pro primeiro bonitinho e limpinho que lhe apareceu pela frente. Que também era casado. A esposa deste, Macondense de fina cepa, descobriu o que ocorrera mas não deu, ou, se o fez, o fez de maneira discreta e sigilosa. Mas levou o assunto a todas as rodas possíveis. Com todas as sordidezes possíveis.
Levadas a instâncias mais elevadas e ponderadas, os loqueteios do Paranóico foram desvendados.
Mas o resultado final foi, no mínimo, trágico.
O Paranóico ficou conhecido como Paranóico.
O Gerente não se livrou mais da fama de Corno.
A mulher do gerente passou a ver usado o apodo, Fulana de Tal, a que deu para o Sr. X.
O Sr. X teve de conviver com a glória e a tragédia. Glória de comedor. Tragédia de ter um pau pequeno e trepar mal, conforme as santas palavras de sua esposa, testemunha que todos, para o próprio deleite, diziam ser inquestionável.
A esposa do sr. X passou a ser a pobre mulher que tinha de manter o casamento por conta das aparências, porque ruim com ele, pior sem ele; porque, que se há de fazer?, homem é tudo igual!
O Jovem Causídico ficou com a fama de morto de fome que tinha de pegar qualquer coisa que passasse na frente.
O Delegado passou a ter fama de ingênuo e a receber conselhos de que deveria tomar mais cuidado ao ouvir certos depoimentos.
E a mulher do Paranóico? Esta continuou onde sempre esteve. Nas sombras do limbo, sendo apenas um nada que o Paranóico cobria com as qualidades, ou defeitos, que bem entendesse.