terça-feira, 25 de março de 2008

IMITANDO A ARTE


À Borges e No Place For Old Man


De vez em quando a gente é tomado por um surto de adolescência. O que eu acho muito saudável, desde que não seja um lugar claramente impróprio.
Sempre digo que um homem adulto, sério, compenetrado, na beira da praia é um chato.
Por isto, de tanto em vez, me permito algumas voltas à juventude.
Havíamos chegado a um lugarejo, destes em que o Tempo um dia passou, resolveu ficar, e qual um Macunaíma, foi pego por uma lezeira e foi permanecendo, cada vez mais remansoso, cada vez mais parado. Era tudo tão plácido, tão estático que era de se perguntar se as prostitutas do lugar, porque sempre as há, seriam capazes de fazer “um instante”, ou dar uma rapidinha. Quanto aos homens, não consigo pensar que, com toda aquela calma ao seu derredor, algum tivesse ejaculação precoce.
O pessoal foi em busca d’um armazém de um casal de alemães, que eram famosos pelos seus pastéis, divinos, quase etéreos, e pelos doces em calda, que lembravam, dizem, comentavam, os da infância querida que os anos não trazem mais.
Eu, provavelmente tomado pelo espírito do lugar, resolvi ficar à sombra de uma árvore que tinha um banco para sentar. Ali fiquei curtindo o silêncio e os discretos afetos de uma brisa ingênua e frágil. Também porque não sou homem de andar debaixo de um sol a pino à procura de pastéis; mesmo que fossem os de Santa Clara, de Pelotas.
Pero, como el ócio es el casillero del diablo, dali a pouco eu já estava assuntando o que havia ao meu redor. Na rua ninguém. Não sabia para que lado o pessoal havia ido. Até onde eu podia enxergar só haviam duas portas abertas. Uma de uma mistura de boteco com armazém, e a outra abaixo de um letreiro que dizia: O REI DAS FACAS.
Tomado pela curiosidade, que é uma das coisas que pode me matar, se é que eu vou um dia morrer, resolvi dar uma olhada.
Penetrei numa peça, agradável pela luminosidade rica em contrastes de sombras e luzes, onde por toda a parte se via facas e outros objetos de cutelaria.
Não demorou muito e ouvi um ahrram, de alguém que assim se fazia anunciar. Era um homem um pouco mais alto e forte que eu, o que não é difícil de encontrar, com um bigodão dos d’antanho, mas aparentando calma, tranqüilidade, um-de-bem-com-a-vida, que fazia com que, de cara, viesse a simpatizar com ele.
O que não impediu que o gremilinzinho que havia despertado dentro de mim levasse adiante os seus propósitos nada beatíficos.
- Posso lhe ajudar?
- Não, não. Só estou mirando um poco.
- Bueno, fique à vontade.
E lá fiquei eu a olhar todo o tipo de faca, facão, machete, feitos de “aço do melhor”, ou seja, de lâminas de feixe de molas de suspensão de automóvel, conforme ele me ia explicando, sempre tentando puxar um assunto.
- Mas o senhor tem em mira algum tipo de faca?
- Não, na verdade eu ando atrás é de um punhal.
- Ala pucha! Punhal eu não tenho aqui. Só faço por encomenda.
- E quanto tempo demora para entregar um, encomendando agora?
- No mínimo uma semana, porque hay que blandear muy bien o aço pra ele ser bom.
- Que pena, porque devo ir embora daqui a pouco e acho que não volto tão cedo.
- Mas que mal pergunte. Que tipo de punhal o senhor quer?
- Um que um homem não se envergonhe de ter sido morto por ele.
A resposta o pegou de surpresa. Ficou meio sem jeito, sem saber se eu falava sério, ou estava brincando. Após uns instantes em que se via escrito em sua testa, pergunto, ou não pergunto?, ele perguntou.
- Tá pensando em matar alguém?
- Eu não disse isto. Disse que queria um punhal para um sujeito não se envergonhar por haver sido morto por ele. Acho que ninguém gosta de ser morto. Principalmente por uma faca bagaceira. Já imaginou o cara morrendo e vendo que mataram ele com uma faca de cortar lingüiça em cima do balcão? Ou pior ainda, de serrinha, prá cortar o pão!?
Neste momento um turbilhão de idéias e sentimentos transbordaram pelos seus olhos. Ficava me olhando com as dúvidas a faiscarem nos olhos. Seria gozação. Seria eu um louco. Seria um ..., sei lá o que?
A voz do pessoal me chamando rompeu com o impasse. Agradeci a sua atenção e saí da “O REI DAS FACAS”. Ele primeiro me seguiu com o olhar, depois ficou na porta bombeando para que lado eu enveredava e o que iria fazer. Pegamos o carro e partimos. Ele nos perdeu de vista e nós a ele.
Até agora fico pensando no que ele deve haver pensado. Nas conversas que deve haver tido com os amigos, talvez até mesmo naquele boteco. Os seus comentários. Fico contente se houver conseguido lhe dar um pouco de emoção, pelo menos uma emoção diferente daquelas de sua pachorrenta vida.
Quanto aos pastéis, achei-os ótimos, embora os tenha comido frio. Mas os doces... Muy pesados.

5 comentários:

Marcia disse...

aham.
agora o primeiro crime que tiver, com um punhal, o cara vai ligar pra polícia e te descrever como suspeito. :)

Maroto disse...

e nós, Pinta, vamos confirmar tudinho e dizer que ele antecipou no blog. Vamos fazer o maior sucesso, dar entrevista, ficaremos famosas! Tudo graças ao espírito-de-porquismo do nosso amigo - êita coisa boa!

Unknown disse...

almejo que continue este espírito de porco, cada vez mais porco.

Carlos Eduardo Carrion disse...

Tá bom, mas eu quero reportagem feita por doutoras em jornalismo, com direito a foto.

Marcia disse...

tá, Rubens, mas ele pode continuar tomando banho, néam? :(