Não sou um homem religioso. Isto me permite escrever como um observador.
Escrevo por me fascinarem as manifestações humanas ligadas ao esotérico, ao críptico, à fé. Procuro entender estas coisas ligadas ao imensurável, ao impalpável, mas não tive êxito, pelo menos até agora.
Agora se aproxima a Semana Santa. Para mim sempre foi um feriadão. Mas sei que para outros tem um significado transcendental. Um sentido metafísico que escapa a minha capacidade de entendimento.
Quando criança me era fácil entender a história da Paixão. Jesus pregava o bem, despertou com isto a inveja dos sacerdotes, que o intrigaram com o Procurador romano, que mandou prendê-lo, utilizando-se para isto da traição de Judas. Simples de ser entendido como um filme de cow-boy da década de 30.
Mas os anos passaram, as censuras caíram, a capacidade de raciocinar aumentou. Vieram os Fellinis, Viscontis, Kubricks, Kurosawas e tantos mais; a visão do mundo ficou muito mais pluralista, complexa e rica. Também ler os Textos Sagrados evoluiu na mesma linha, embora muitos prefiram manter-se pobres de espírito, afastando-se de polêmicas e dúvidas.
Portanto, ao lê-las, algumas idéias flutuaram na minha mente. Repasso-as.
O ato de Judas é absolutamente dispensável. Para que precisavam os romanos, ou a classe sacerdotal, de que alguém O identificasse, se Ele, Jesus, pregava publicamente em Jerusalém (Que era do tamanho de uma cidade pequena/média do nosso hinterland.), ou fazia milagres na presença de milhares de pessoas?
Como se desse muito trabalho para identificar, digamos, um Romário, um Ronaldinho. Precisar-se-ia de um Judas para apontar ás autoridades. “Este é o Romário!”?
Admitir na Paixão e na Ressurreição, a figura do acaso chega a ser quase insuportável. Cristo vir a terra e encontrar o traidor Judas por, digamos, azar, é acreditar piamente num Deus sem controle nenhum do universo, o que se choca com a idéia da Onipotência e Onisciência. É bem mais crível a idéia de que todos os personagens da Redenção tinham seus papéis bem delineados. Sob este aspecto, a traição de Judas é um ato divino, um elemento decisivo para que pudesse ocorrer a crucificação e, com ela, a Redenção da Humanidade.
Convenhamos também que Deus não necessitava encenar pantomima nenhuma para se revelar. Assim já o havia feito com Abraão e, posteriormente, com Moisés.
Outro fato interessante é que a imagem de Judas vai piorando à medida que os evangelhos foram sendo escritos. No primeiro deles, escrito quase 60 anos depois da morte do Salvador, sua vilania não é tão grande quanto a que apresenta no evangelho de João, que foi o último aceito pela Igreja. Além disto temos os evangelhos apócrifos, que foram deixados de lado, nos primeiros concílios, porque não diziam o que os homens da Igreja queriam que dissessem, mostrando estes evangelhos divergências doutrinárias importantes, a respeito da Santíssima Trindade, Jesus como homem e/ou Deus, o papel da Igreja e por aí afora.
Além disto, que língua falava Jesus? Provavelmente aramaico, numa versão antiga e regional. Ora, do que Jesus fala a Judas durante a Última Ceia só ficaram lembranças, transmitidas oralmente aos ausentes e aos pósteros, por personagens que, nesta mesma Última Ceia, haviam querelado pelos lugares na mesa. Seriam estes isentos para guardar ipsis litteris, as palavras do diálogo? E se o foram, seriam fiéis depositários da verdade aqueles que as transliteraram do aramaico para o grego copta, deste para o grego antigo e dai para o latim? Traduttore traditore! Mesmo os Evangelhos Canônicos apresentam divergências importantes. O que os fez diferentes? A língua? Os interesses mesquinhos dos homens? O desejo de ser mais realista que o rei?
Foram homens, longe do tempo em que os fatos ocorreram, que decidiram que seria assim, ou assado, e nunca por unanimidade. As versões que apresentavam Judas num outro papel, que não o consagrado hoje, foram rejeitadas. Muitas vezes sendo perseguidos os que, não acreditando na História Oficial, preferiam crer em outras alternativas.
Em verdade, acreditar na História Oficial é apenas uma questão de fé. E fé não é para ser discutida. Ou se a tem, ou não. Isto faz com que o papel de Judas possa ter sido totalmente diferente daquele que nós é contado.
Mas nós, humildes ovelhas do redil da Santa Madre Igreja, precisamos de um vilão, que é castigado por suas felonias. Só assim saberemos o que é certo e o que é errado. Para sabermos o que ocorre àqueles que não se comportam bem.
Além do que é bom que malhemos Judas, assim não necessitamos malhar a nós mesmos por nossas imperfeições. Seu erro justifica os nossos. Nossos pecados são ínfimos, comparados ao atribuído a ele.
Carlos Eduardo Carrion
março de 07
Um comentário:
eu li lá.
Postar um comentário