segunda-feira, 30 de julho de 2007

EU e EU


De repente me peguei olhando para mim mesmo. Trinta e seis anos nos separam. Mas não são só anos. É todo um modo de ver a vida.
Naquele dia, pouco antes, Pedro Carneiro Pereira morria, carbonizado dentro de seu Opalão, ali em Tarumã. Era o dia 21 de outubro de 1973. E eu, naqueles momentos de melancolia e reflexão que a morte traz, começava a pensar que a minha vida iria mudar e eu não sabia como.
Estava no último ano de Medicina. Já fora aprovado para a Residência em Anestesiologia. Partia para a disputa de um lugar na Residência em Psiquiatria, onde seria aprovado.
Mas olhava o futuro. Para o desconhecido.
Sabia que não teria problemas com a sobrevivência. Meus dois anos no Pronto Socorro Municipal e na UTI/Recuperação do Clínicas me garantiam conseguir trabalhar a um nível de subsistência com facilidade. Portanto o que eu tinha que escolher era que caminho seguir, e o que eu queria conseguir. E não tinha nenhum projeto definido.
Portanto olhava para frente com melancolia.
Nunca imaginei que iria me encontrar onde hoje estou.
Como será que eu me sentiria ao saber que eu seria assim trinta e seis anos depois? Surpreso? Decepcionado? “Olha só mamãe aonde eu cheguei?”
É bem verdade que eu era muito crítico, portanto é bem possível que fizesse algumas críticas e houvesse algum sentimento de decepção.
Por outro lado, vejo um cara que sabe que está às portas de uma mudança. Só que não sabe qual ela será.
Que os tempos do Fuscão 1500, comando P2, rodas aro 14, tala 7, pneus Cinturatto da Pirelli, carburador Webber 40 corpo duplo, estavam agonizantes.
Que o Filipito (da Mafalda) que estava embaixo do meu braço (ver a foto) não teria muito lugar na nova vida.
Que talvez as fitas, tipo cassetão, do Jetro Thrull, e o dos Animals, que estavam na bolsinha da porta ainda teriam lugar; substituídos apenas por substratos mais atualizados.
Mas ele sabe que vai haver a mudança. O que era impossível para ele saber é que iria, trinta e seis anos depois, se transformar neste que vos escreve.


Agradeço a Ana Lia Duarte, ao Décio Guimarães ou ao Caio Duarte por haverem tirado a fotografia.

E agradeço mais ainda para o meu primo Glauco Tholozan por me haver mandado esta fotografia, que fora queimada, por uma iconoclasta com quem me relacionei.

3 comentários:

Marcia disse...

sabe que este foi um dos teus melhores textos?

outro dia vi uma foto da minha formatura e pensei exatamente isso: o que eu pensava naquele dia? feliz por concluir uma etapa, cheia de medo pelo futuro, cheia de uma energia que não sabia bem onde iria colocar e se iria ter sucesso. é um limite para o ser adulto que nos amedronta.

olhamos para trás e nos reencontramos com outra pessoa, mas somos nós mesmos, neste tempo que na verdade gira em espiral.

e... belíssimo, hein? hahahahaha...

Telejornalismo Fabico disse...

*




putz, a sensação de que os outros sentem a mesma coisa que nós oferece um certa normalidade ao mundo.

quem não se questionou sobre isso?
quem não reviu posicionamentos ou quis voltar um segundo no tempo?

belo texto.
belas opções.



*

Débora Elman disse...

E uma piá de 12 anos estava ainda brincando de chá de Suzi...Nem sabia de Jethro quem, etc.